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sexta-feira, 30 de outubro de 2009


A Ponte Quebrada

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- Eu não aguento mais isso tudo, eu não aguento mais você! - berrou Lola, que já estava começando a ficar com as bochechas vermelhas, e as veias do pescoço fino, começavam a ficar visíveis e saltadas.
Samuel sabia o que aquilo significava: A moça estava prestes a ter mais um de seus ataques de loucura. Desde que a conheceu e se apaixonou perdidamente por ela, Samuel sabia dos distúrbios emocionais de Lola, e, embora não alterassem uma vírgula no amor que sentia por ela, se preocupava demais com as consequências que aqueles ataques( cada dia mais comuns), poderiam causar.
Estavam no meio de uma estrada de terra, voltando de uma pousada isolada no interior, onde passaram uma semana das férias. Haviam feito o mesmo caminho diversas vezes e não encontravam a saída para a capital. Não havia sinal para o celular. Lola já estava começando a ficar nervosa com todas aquelas voltas, e para completar e enervá-la mais, o pneu do carro de Samuel furou ali, no meio daquela enorme estrada de terra, cercada por bambus, sem saída, sem sinal de pessoas ou civilização.
Em frente ao carro, apenas uma ponte quebrada, um rio largo, de correnteza muito forte. A ponte deveria ter sido quebrada devido às grandes chuvas do mês de janeiro, e como o lugar era totalmente isolado, provavelmente ninguém havia visto o ocorrido e comunicado à prefeitura de qualquer que fosse a cidade cidade na qual aquela estrada pertencesse.
- Você tem que se acalmar, Lola! Assim vai me deixar louco. Não sabemos como vamos voltar, onde está essa maldita entrada para a capital. Com você nesse estado, eu não vou conseguir sequer dirigir. Se acalme, por favor! - Suplicou Samuel, tocando de leve as mãos brancas da moça, que reagiu com brutalidade.
- Não me toque! Você já sabe o quão estou cansada, não aguento mais! Quero ir embora, não quero ver a sua cara, não aguento mais olhar para você!
Num impulso, a garota de 22 anos desceu do carro, a esmo, correndo para uma direção na qual Samuel não conseguiu identificar.
- Lola, volte aqui! - gritava ele desesperado, também saindo impulsivamente do carro e batendo a porta com brutalidade - Volte! Vamos ficar aqui até você se acalmar!
Ela olhou para ele. Era um olhar perdido, quase desconhecido. Seus grandes olhos castanho-amendoados, que demonstravam tanta vida em tempos felizes, pareciam opacos, sem vida. Pareciam olhos de uma pessoa que havia sido enterrada viva por engano, e após longos dias no escuro, debaixo da terra, sido salva.
Ver sua Lola, sua menina, a mulher com quem pretendia se casar, ter filhos, envelhecer junto, naquele estado, era doído para Samuel. Seria menos doloroso se lhe enfiassem uma espada pela barriga e a retirassem pela cabeça. Era triste, era enlouquecedor para ele.
- Não quero mais viver! Você vai aprender a me dar valor quando eu for embora desse mundo! - gritava Lola, que corria em circos, parecendo uma peça avulsa de uma dança mórbida qualquer.
Samuel se perguntava em segredo: 'Que valor eu não dei a ela?', 'O que eu fiz a ela, além de amá-la com toda a minha alma, com todo meu coração? Se eu pudesse, arrancava meu coração e dava a ela!'
Lola correu e, para o desespero do rapaz, foi até a ponte quebrada, e começou a brincar de equilibrista, ameaçando a cair ou pular a qualquer momento. A ponte estava visivelmente molhada.
Samuel tentou gritar.
Lola.
Sua Lola. Sua menina.
Não, Lola não. Ele não a deixaria pular. E se ela pulasse, ele iria atrás dela. Pularia com ela, logo em seguida.
Não conseguiu gritar. Correu, correu atrás dela, e quando deu por si, ambos estavam se olhando, sobre a ponte estragada, sobreposta a uma violenta correnteza que era recoberta por pedras enormes. A ponte era estreita para os dois, e um poderia cair a qualquer momento.
- Lola - Samuel sussurrou com dificuldade, vendo sua imagem refletida naqueles olhos desesperados, grandes e castanhos, sombreados por olheiras fundas e negras - Lola, você não me ama mais?
Nada disse a moça.
Samuel tentou tocar a mão dela com a sua. Ela deixou que tocasse.
- Venha, Lola. Vamos sair daqui com cuidado... Vamos andar até encontrar alguém, vamos ficar juntos, como sempre nos importou. Vamos sair daqui.
Ela apertou a mão dele com força. Seus olhos estavam marejados de lágrimas.
- Você não me ama mais, Lola? - perguntou o rapaz novamente.
- Amo! - afirmou ela, com aparente calma, porém, dificuldade - Eu te amo, Samuel. E se estou nesse mundo é por sua causa. Se não fosse você, a terra já teria me puxado para ela.
Os olhos verde mar de Samuel se encheram de lágrimas também. Puxou a mão de Lola com todo o cuidado.
-Vamos sair daqui. Vamos ser felizes como sempre soubemos que seríamos.
Ela esboçou um sorriso. Ela o amava. O amava mais do que podia controlar. O amava mais do que seu coração insano poderia suportar.
Com cuidado, Samuel a segurou pela cintura com uma das mãos, enquanto segurava a mão esquerda de Lola, que estava a sua frente. Com toda cautela, saíram daquela ponte, e em instantantes, estavam pisando a estrada de terra novamente.
Ela sorriu. Um sorriso verdadeiro. Mas de repente, ficou séria novamente.
- O que foi, meu, amor? - perguntou Samuel, segurando o queixo da garota, vendo todo seu alívio ir embora.
- Meu anel - disse ela olhando para os dedos - Acho que meu anel caiu na ponte. Foi o anel que vovó me deu antes de partir, quero o meu anel! - choramingou.
- Vou pegá-lo para você - suspirou o rapaz. - Se estiver lá, vou vê-lo. Aquele vermelho brilhante não passam despercebidos.
- Samuel, não! - disse Lola, por um instante, parecendo incisiva.
- Shh - disse ele com carinho, tampando os lábios secos e pálidos da moça, que uma vez foram rosados e radiantes - vou lá. Fique aqui, por favor!
Lola se virou. Quando deu por si, Samuel já estava a caminho da ponte. Cada vez mais próximo daquela ponte molhada, quebrada e estreita. Daquela ponte perigosa. Não pôde fazer nada para impedí-lo.
Ela gritou:
-Samuel!
Ele se virou, meio de esguelha, e Lola pôde ver o contraste azul piscina de sua camisa com seus olhos verdes, tão verdes que eram vistos a quilômetros de distância;
- Samuel! - completou ela - Eu te amo! Com a minha vida!
Ele sorriu. Um riso pequeno, torto, porém sincero.
- Eu te amo, Lola. Com todas as minhas vidas.
Ela sorriu e franziu a testa.
Ele continuou.
Ela o via se afastar.
Ele já estava sobre ponte, olhando para baixo, procurando o anel vermelho brilhante dela.
Um movimento de seu corpo denunciou que havia encontrado o objeto, reconhecido seu brilho. Faltava pouco para ele estar de volta à estrada de terra. Faltava pouco para que ela pudesse abraçá-lo novamente.
Ele se agachou para pegar o anel. E virou-se para ela. Viu o vento fazendo balançar aqueles cabelos cor de caramelo, finos , longos e despenteados, que tanto conhecia a textura, que tanto conhecia o cheiro.
- Achei, Lola! - gritou - achei seu anel, minha flor!
Se distraiu. Percebeu como Lola continuava linda, a mulher mais bonita do mundo, mesmo extremamente magra, pálida e com a aparência insana. Pensou nas bochechas rosadas da moça, e a quentura de suas mãos quando as tocou pela primeira vez. Ouviu o riso de Lola. Sentiu os cabelos dela roçarem seu pescoço e seu rosto enquanto a levava de cavalinho pela primeira vez. Se lembrou de como ficava linda naquela blusa amarela que usava quando estava feliz. Nessa distração, pisou em algo que parecia um galho, e se assutou. Pisou mais uma vez em falso, ainda agachado. Tentou se apoiar em algum braço da ponte, inutilmente. Perdendo completamente o equilíbrio, olhou para o anel, que estava posto na metade do seu dedo indicador. Sentiu o corpo tombar para trás. A última coisa que viu foram folhas amarelas molhadas, espalhadas, próximas a seus pés que estavam para o ar.
O último som que ouviu, foi um grito. Um grito agudo, de desespero. Um grito que corta a alma.

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